É difícil fazer um homem compreender algo quando seu salário depende, acima de tudo, que não o compreenda
UPTON BEALL SINCLAIR
Autogestão, Plenitude e Propósito Evolutivo através das Organizações Diamante
Daniel Kahneman partiu na semana passada, aos 90 anos.
Vencedor de um Nobel, destacou-se principalmente por demonstrar como o ser humano toma decisões, principalmente em situações de incerteza – o chamado fenómeno da aversão à perda – e aproveitou a sua formação em psicologia para estudar o que chamava de economia comportamental.
O seu reconhecimento público baseou-se em grande parte no seu livro ‘Thinking, Fast and Slow’ [‘PENSAR, DEPRESSA E DEVAGAR’, em português], publicado em 2011 e que foi um ‘best-seller’, no qual explicou as suas descobertas num estilo de escrita envolvente.
Grande parte do seu trabalho baseia-se na noção (que ele não criou, mas sim organizou e avançou) de que a mente opera em dois modos: rápido e intuitivo (atividades mentais com as quais nascemos, chamadas de Sistema Um), ou lento e analítico, um modo mais complexo que envolve experiência e exige esforço (Sistema Dois). Este conceito depois evoluiu para algo mais orgânico.
Muito do seu trabalho, evolução, perspetivas e resultados surgiram através da parceira umbilical que estabeleceu com Amos Tversky, psicólogo cognitivo da Universidade de Stanford, com quem trabalhou grande parte da sua carreira.
A história sobre o percurso de vida de cada um, como se cruzaram e da sua profícua parceria e posterior afastamento profissional e pessoal é maravilhosamente contada no livro Projeto Refazer, de Michael Lewis (o mesmo autor de Moneyball).
No artigo anterior apresentei a minha visão sobre como as Organizações Diamante, suportadas por uma liderança partilhada e focada em papéis de curiosidade, desenvolvimento e empatia, uma gestão intermédia fortíssima e uma base funcional suportada por um bom mix entre colaboradores operacionais fortemente capacitados e uma automação bem desenhada, poderá dar resposta aos desafios atuais e futuros das organizações e do trabalho.
Hoje é a vez de explorar a estrutura e composição desse diamante – princípios e focos, pilares de desenvolvimento de pessoas e processos, e fatores críticos de sucesso.
Para isso, os conceitos descritos nos livros REINVENTING ORGANIZATIONS, de Frederic Laloux (é um dos meus livros preferidos) e no também espetacular HUMANOCRACIA, de Gary Hamel, Michele Zanini serão a base de referência para esta partilha.
ORGANIZAÇÕES DIAMANTE e a H – CRACIA
H – Cracia tem a ver com a Holocracia e a Humanocracia. A segunda já foi explorada com mais detalhe num outro artigo, sendo que a partir daqui equalizo a essência do conceito de organização TEAL (pormenores mais à frente) com a abordagem que me faz todo o sentido para a estrutura das organizações diamante.
O conceito de organização TEAL foi criado por Frederic Laloux, um ex-executivo da McKinsey & Company. Descreve as organizações no contexto do desenvolvimento humano, usando o paradigma de cores da evolução da consciência humana, criado pelo filósofo Ken Wilber.
Laloux, sentindo-se insatisfeito e desmotivado no trabalho, abandonou o seu emprego e começou a pesquisar modelos organizacionais que combinassem produtividade com bem-estar pessoal.
Estas organizações são evolutivas, com um modelo organizacional eficaz que exclui elementos de gestão tradicionais, como hierarquias, estratégias cuidadosamente planeadas e metas trimestrais.
Estas empresas são extremamente centradas no ser humano. O bem-estar e o desenvolvimento dos colaboradores são tão importantes como a produtividade e o lucro. Nestas organizações valoriza-se a descentralização de poder, autodisciplina, hierarquias naturais e um alto grau de responsabilidade dos colaboradores.
Existem 5 níveis de desenvolvimento organizacional, segundo Laloux:
OS PILARES DAS ORGANIZAÇÕES DIAMANTE
As Organizações Diamante podem e devem recorrer aos pilares definidos como seminais para as organizações TEAL – Autogestão, Plenitude e Propósito Evolutivo.
AUTOGESTÃO
Penso que já é possível podermos avançar para organizações com estruturas de autoridade distribuída, onde as pessoas têm autonomia no seu domínio e são responsabilizadas/empoderadas através da coordenação e colaboração com os outros:
TOMADA DE DECISÃO: Todos estão envolvidos no processo de tomada de decisão – as decisões são tomadas não só por consenso, mas também através da inteligência coletiva, na forma de aconselhamento. Isso significa que, para tomar uma decisão, podemos pedir conselhos a um especialista no assunto ou a pessoas a quem essa decisão afetará diretamente.
GESTÃO DE CRISES: Em tempos de crise, a informação é partilhada para que todos, incluindo os colaboradores da linha da frente, estejam conscientes do problema. Isso mantém as pessoas atualizadas e ajuda a encontrar a solução que melhor se adapta ao contexto situacional.
FLUXO DE INFORMAÇÕES: Mesmo as informações mais sensíveis não são mantidas em segredo. Se alguém tem acesso à informação, e outra pessoa não, isso criará suspeitas desnecessárias e um ambiente menos transparente. E irá também potenciar a improdutividade.
ATRIBUIÇÃO DE FUNÇÕES: As funções são organizadas e reorganizadas com base na concordância entre pares, entrega de valor e contexto. A função aqui é vista como a melhor resposta, ao nível de competências e decisão, que a pessoa/equipa pode dar tendo em conta determinado contexto e necessidade dos seus clientes internos e externos.
PLENITUDE
Os colaboradores são incentivados a desenvolverem-se não só como profissionais, mas como seres humanos. Portanto, as organizações levam em conta o aspeto emocional. Isto aumenta o empenho, o sentimento de pertença, a proatividade e a criatividade dos colaboradores, maximizando o seu potencial.
RECRUTAMENTO: As entrevistas são realizadas não só pelos RH, mas principalmente pelas pessoas que realmente irão trabalhar diariamente com aquel@ candidato, para garantir que existe um fit de competências e de relação.
INTEGRAÇÃO: Os colegas utilizam uma quantidade considerável de tempo e energia a receber e integrar uma nova pessoa.
TREINO: As “formações” neste tipo de organizações não são apenas sobre habilidades e ferramentas – são principalmente sobre desenvolvimento pessoal e estabelecimento de uma cultura comum.
FUNÇÕES EVOLUTIVAS: pode não existir um descritivo de funções estático, mas sim dimensões de competências assocadas à criação de valor.
PROPÓSITO EVOLUTIVO
Colocar as pessoas no centro da organização faz com que os colaboradores se sintam comprometidos, motivados e à vontade. Este tipo de abordagem proporciona uma fonte de conhecimento constante onde não há receios de errar e onde a iniciativa pessoal é estimulada. Juntamente como uma visão integrada do sucesso, todos reconhecem que o progresso individual é considerado como progresso para a empresa como um todo.
Estas organizações não vivem segundo o paradigma da sobrevivência – vivem segundo o farol propósito. O que importa é o valor que acrescentam e o crescimento pessoal dos colaboradores. Não se concentram propriamente nos lucros, mas, paradoxalmente, superam os concorrentes.
ESTRATÉGIA: A estratégia não é desenvolvida apenas por altos executivos. É um processo orgânico. Uma organização expande-se ou encolhe em resposta à realidade.
MUDANÇA E TRANSFORMAÇÃO: Todos aceitam a mudança como um processo natural que acontece todos os dias.
O DIAMANTE ORGÂNICO
As organizações diamante são assim espaços onde se manifestam, simultaneamente e de forma eficaz:
- A Evolução das Pessoas;
- Transformação e Inovação Organizacional – para fora e dentro;
- Cultura, Equipas, Produtividade e Fluxos de Trabalho.
Tendo em conta os “rabiscos” 😊que partilhei no artigo anterior, sobre os vários níveis do diamante e das respostas que são importantes dar ao nível dos sistemas, problemas únicos e velocidade e qualidade, é importante tornar claro quais podem ser novos papéis das Pessoas.
Eu diria que existem três dimensões que irão requerer um grau de adaptação/evolução significativo nas Pessoas, nos processos e na gestão de recursos.
LIDERANÇA (LEADERSHIFT)
Tudo o que estou aqui a apresentar é emocionalmente desafiante para a forma como a Liderança se manifesta de forma mais convencional.
Esta abordagem das organizações diamante implica saber navegar em vários estilos de liderança, desde a autocrática à democrática, passando pela afiliativa e visionária, de performance e de Coaching, entre outras.
Envolve saber dominar a liderança situacional, ou seja, saber reconhecer quando o progresso/performance e respetiva interação com as equipas ou colaboradores devem ser balizados pela orientação e foco na tarefa, ou pela autonomia e foco no desenvolvimento e relação.
Nesta perspectiva, é super relevante Pensar e Explorar mais as dimensões de Valor, Ecossistemas, Pessoas e Mundo, em vez de tanta estratégia, planos, EBITDAs e acionistas.
Pede que os líderes sejam exploradores do mundo, reconhecendo os VUCAS e BANIs da organização, manifestados pelas Pessoas e Mundo e a partir dai, inferir quais os possíveis caminhos e como podemos lá chegar.
Isto só acontece quando @s líderes se conhecem a si mesmos – Auto Liderança.
RESPONSABILIDADES (OWNERSHIP)
Neste ponto estou a assumir que utilizamos a automação para podermos rentabilizar processos e atividades que são necessárias, mas que irão estar a consumir tempo, espaço, foco e competências humanas diferenciadas, que podem ser utilizadas de uma forma mais proveitosa, para dar resposta a todas estas dinâmicas e para que as pessoas possam sincronizar agendas para a cocriação (imaginar) e colaboração (executar e monitorizar).
Dito isto, também aos gestores intermédios e colaboradores mais operacionais serão pedidos novos papéis e contribuições.
Pode ser agora uma boa altura para desfrutarem e maximizarem os seus “pedidos”, que foram sendo feitos ao longo do tempo – de maior autonomia, de que a sua voz seja mais escutada, poderem partilhar o que está a acontecer no terreno e no dia-a-dia, de poderem experimentar e testar.
[Nota]:
Durante as etapas iniciais/preparatórias e mesmo durante os workshops e projetos, recebo as seguintes mensagens:
- líderes que gostavam que os seus colaboradores participassem mais, fossem mais autónomos e expeditos;
- gestores, especialistas e operacionais, que gostariam de ser mais envolvidos, perceber mais do negócio, ter acesso a melhor informação e responsabilidade mais bem definidas.
O giro da situação 😊 é que quando se começa a (re)desenhar as novas formas de trabalhar, interagir, colaborar – que estas aspirações e necessidades mútuas, já sincronizadas, se potenciam mutuamente – é muito desafiante para todos gerir a questão da responsabilidade, no âmbito da transformação – partilhar e assumir.
FLUXOS DE TRABALHO E COLABORAÇÃO (WORKFLUX)
Aqui refiro-me a como podemos trabalhar de uma forma ágil, com a cultura adequada e onde existem processos deliberados de exploração, priorização, distribuição de trabalho, monitorização, e também como podemos reconhecer os sucessos alcançados, aprender com as lições aprendidas e partilhar conhecimento e experiência, com vista a robustecer a equipa como um todo.
Também implica ter uma definição de produtividade baseada na identidade, emoções estratégia, relação entre mim e os outros e fluxo na execução.
E a criação de ambientes relacionais e criativos devidamente enquadrados com os pontos anteriores.
CODA
Numa era onde é cada vez mais importante nutrir, florescer, cultivar – o nosso próprio desenvolvimento, habilidades, aspirações, valores, etc. – ainda estamos na era do fabrico.
Num mundo movido pela ação e centrado nos resultados, ternos dados muita ênfase ao fazer – fazer coisas, fazer acontecer. Até utilizamos esta perspetiva em dimensões mais pessoais e do quotidiano como fazer amigos, fazer outras coisas 😊, etc.
Como Pessoas e Organizações, não somos feitos de barro para sermos moldados e cristalizados em algo que assume uma forma única e que assim existe, até se estragar e partir.
Diria que somos mais como uma essência, partículas, matéria-prima orgânica, constituída por diversas energias e características – princípios, valores, aspirações, ideias, competências, habilidades e comportamentos.
Sou daqueles que acredita que quase tudo já ca está dentro, à espera de ser descoberto.
Então, quem sabe, as Organizações Diamante e todos os seus pressupostos aqui apresentados podem ser a energia, água, alimento, cuidado, espaço que permite que todas as nossas capacidades, quais sementes, possam ser nutridas e cuidadas até florescerem e se manifestarem por si próprias.
E assim passamos de Human Doers (humanos que fazem) para Human Beings – Seres Humanos que São. Também em contexto profissional.
Obrigado, Abraço e Fica Bem,
H