A felicidade é a aceitação corajosa da vida
— ERICH FROMM
FIKA ORGANIZACIONAL
Estou a escrever este artigo na magnifica ilha de S. Miguel nos Açores, que é a primeira etapa de um conjunto de locais e projetos, que ao longo das próximas semanas me irá fazer sentir que estou numa tournée ?:
- Aqui nos Açores inicio a rentrée profissional com um workshop Estratégico de Desenvolvimento e Alinhamento de uma equipa operacional de Pessoas e Cultura, para a divisão de retalho de uma holding nacional, de origem açoriana;
- Sigo depois para a Eslovénia para facilitar um workshop prático sobre Inteligência Emocional e Colaboração Criativa para Corporate Performance Management. Os participantes são diretores, CFOs e outros manda-chuva financeiros ? de uma farmacêutica com implantação mundial, que estão espalhados pelo mundo e que se irão reunir numa conferencia anual, onde vão fazer o “estado da nação” desta área do seu business;
- Entre viagens vou continuar o design da implementação/delivery de dois programas de Liderança Evolutiva 720°, para um total de 100 pessoas, em duas organizações muito diversas – uma empresa retail e num hospital central publico.
- Finalmente e desta vez como participante e “aluno”, termino este périplo ao participar numa espécie de retiro de facilitadores, para poder também receber, aprender, partilhar, calibrar e me enriquecer como Pessoa e atualizar competências e capacidades profissionais.
Tudo isto está alinhado com as temáticas profissionais que fazem parte do meu portfolio:
- Desenvolvimento de Pessoas/Coaching/Mentoring;
- Inovação Organizacional, Design Thinking e Criatividade;
- Desenvolvimento de Cultura, Equipas e Workflows;
Sendo tudo cenas superinteressantes e que me nutrem como pessoa e profissional, esta tournée profissional de mais de oito mil km não vai alimentar muita presença e equilíbrio, não. ?
E desde há algumas semanas, esta concentração de projetos e viagens num curto espaço de tempo deixou-me alerta e curioso.
Pois sou muito cioso do meu espaço pessoal e do tempo para regenerar, pois a energia que coloco quando estou a trabalhar com os clientes, equipas e colegas necessita de ser reposta, com ritmos mais calmos, locais mais tranquilos e conversas, escuta ativa e ventilar com o meu Conselho de Administração Pessoal ou comigo próprio – a escrever, a caminhar, em quietude ou a não fazer nada.
Então a pergunta que me surgiu foi a seguinte:
Se estamos sempre a ir de um lado para o outro (metafórica ou literalmente) a nível profissional – urgências e apagar fogos, prioridades simultâneas para todo o lado, aprender coisas novas, estar atento e a par do mundo e das mudanças, viajar, como podemos fazer para…. Ficar?
Ficar aqui significa Ficar em Mim Próprio – estar ciente do que realmente está a acontecer em mim e à minha volta, qual a melhor forma de dar resposta, definir o que é importante e quais as situações onde posso agir e as outras onde só posso aceitar.
Ficar também significa estar atento e curioso aos outros e às suas perspetivas e com isso perceber qual a melhor forma de interagir e estarmos abertos a dar algum contraditório aos nossos vieses, julgamentos, hábitos e crenças através da interação com os Outros.
Ficar é um estado de espírito de foco e de estarmos embrenhados de forma eficaz, eficiente e equilibrada nas nossas tarefas e atividades – de imaginar, de decidir, de colaborar, de executar, de monitorizar e de aprender e “retrospectivar” (tenho quase a certeza de que esta última palavra não existe, mas percebes o ponto).
Estava eu a pensar nisto e como quase de costume, o meu amigo serendipity apareceu de novo e trouxe-me informação e algumas ideias relevante sobre estas temáticas. E o que surgiu foi o conceito do FIKA. ?
O QUE É
FIKA é uma palavra sueca que define o ritual de beber café, comer umas belas bolachas, bolos e afins ? e conviver de uma forma muito orgânica e sem grande agenda, onde o fundamental é a pausa, o estar presente, o estar com os outros e a partir daí criar as partilhas e interações.
O FIKA Organizacional é uma vivência social estabelecida no local de trabalho, um estado de espírito e um aspeto importante da cultura sueca que reflete muito a sua abordagem equilibrada da vida.
Fazer/Estar em FIKA Organizacional num contexto profissional é uma oportunidade de ouro para:
- Desenvolver as habilidades sociais e de empatia;
- Aumentar a cocriação e criatividade através de processos informais de exploração de possibilidades;
- E também conhecer como funcionam os trabalhos, funções, responsabilidades, resultados e desafios dos nossos colegas.
COMO “ACONTECE” NAS ORGANIZAÇÕES
A Ikea tem um parágrafo sobre o assunto no seu site corporativo: “Mais do que um coffee break, o FIKA Organizacional é um momento para partilhar, conectar e relaxar com os colegas. Algumas das nossas melhores ideias e decisões acontecem num momento FIKA.”
O estilo de gestão sueco é plano e não muito hierárquico.
Essa tendência já se está a espalhar através, por exemplo, do mix Design Thinking + Agile – perspectiva human centric, a empatia, definição de valor para produtos e serviços, equipas autónomas e gestão ágil de projetos e atividades individuais e de equipa.
É uma necessidade e inevitabilidade. Quando temos estruturas planas, é importante escutar e envolver todos.
Durante a pausa do FIKA, quaisquer hierarquias potenciais tornam-se irrelevantes Não há poder nem posição.
Durante a pausa do FIKA Organizacional, muitas vezes conversa-se sobre trabalho e descobrimos o que está a acontecer na organização. A abertura, vulnerabilidade, a transparência de nos apresentarmos no nosso perfil natural e não no adaptado dá acesso a uma contribuição individual e coletiva fortíssima!
Nessas pausas regulares temos a oportunidade de “arejar” os nossos cérebros, podemos reabastecer-nos com inspiração nos outros e ter a oportunidade de testar novas ideias.
BENEFÍCIOS PARA PROFISSIONAIS E ORGANIZAÇÕES
O FIKA Organizacional promove a confiança através da conexão e comunicação cara-a-cara. Também desburocratiza as organizações pois muito do “informal management” é realizado com a participação “horizontal” e “vertical” das competências, processos e poderes de decisão. Assim todos estão muito mais dentro do loop.
Colegas de diferentes equipas e níveis de senioridade estão juntos de forma regular, o que depois tem impacto na forma como trabalham juntos!
Ao motivar “quebras” nas rotinas e mudanças de locais, ambientes e pessoas, permite uma regeneração da nossa energia e foco. Um ritual ao estilo FIKA dá aos colaboradores permissão para se desligarem verdadeiramente durante alguns minutos, conhecerem colegas de trabalho e alimentarem-se com um mimo especial.
Tudo isto que aparentemente é apenas um momento de convívio tem um impacto brutal na Mudança/Transformação Organizacional e na Cultura.
É POSSÍVEL “FIKARMOS” CONNOSCO?
Querer pertencer é uma necessidade humana básica que todos partilhamos. Evidências da psicologia evolucionária sugerem que está conectada ao nosso DNA.
O impacto positivo que o sentimento de pertença tem no desempenho dos colaboradores e da organização é significativo. Pode influenciar múltiplos resultados positivos, incluindo o desempenho geral no trabalho, a redução do número de pessoas que querem demitir-se e absentismo por questões de saúde.
Os indivíduos que sentem que pertencem não só têm um melhor desempenho, mas têm níveis mais elevados de bem-estar.
Aqui estão algumas perguntas importantes que podes fazer a ti próprio, colegas e pares, às tuas equipas ou aos teus chefes: ?
- O que significa para pertencer a uma equipa e organização? Como é que isso se manifesta e evidencia?
- O que tornou a pertença mais desafiadora agora e no passado?
- Que ações, interações, comportamentos e decisões potenciam um sentimento de pertença no agora e no futuro?
- Porque é que pertencer é importante para a tua organização e para ti pessoalmente?
- Como se pode capacitar uma equipa para liderar a mudança que eles querem ver?
- Que normas de comunicação ajudarão a tornar a sua equipa mais justa, inclusiva e envolvente para trabalhar?
- … Coloca aqui a tua própria questão.
Mas aqui vem o twist. ?
Sinto que estamos numa era onde o sentimento de pertença mais importante pode ser aquele que temos ou queremos ter… Connosco Própri@s.
Parece um paradoxo. Para efeitos de sobrevivência, evolução, performance e “exponencialização” do Ser Humano a nível pessoal e profissional, o pertencer foi uma variável crucial.
Pois trouxe segurança, colaboração, partilha, juntar forças, criatividade. E claro também muitos objetivos, ambição e deslumbramento pelo maise mais e mais, sacrificando a noção do Equilíbrio e Suficiente.
Mas sinto, tenho visto e um número bastante apreciável de clientes e colegas (estou a balizar isto pela parte profissional) assim o confirmam através das suas partilhas– que as nossas âncoras internas de princípios e valores e espaço para autoconhecimento e regeneração estão a ser muito desgastados.
Isso impacta a clarividência, soberania pessoal, a empatia e damos por nós muitas vezes a seguir os ritmos dos VUCAS e BANIS e a trabalhar para objetivos, processos, relatórios e KPIs só porque sim, em vez de apontar para o Valor, Impactos, Foco no Cliente e Sustentabilidade.
Estamos todos a querer pertencer ao mundo dos outros. Talvez porque estamos a perder a capacidade de também sabermos estar no nosso próprio mundo, como Pessoas e Profissionais.
Como sempre, a minha sugestão é o Caminho do Meio.
Existem acionáveis e entregáveis para os quais podemos apontar o nosso foco e energias.
Inteligência Emocional, Auto Liderança, escrever, fazeres um 360 com os teus amigos e colegas. Correr, nadar, pé no chão e na relva, yoga ou mindfulness, tu é que sabes qual a tua cena. ?
Pertencer e saber Estar Connosco própri@os é saber dizer não. É saber quais os 20% de atividades ou tarefas que nos vão levar a 80% dos resultados.
É distinguir entre tribos e famílias profissionais
É celebrar as nossas conquistas e saber aceitar e aceitas as nossas “falhas”, quais artesãos de nós mesm@s!
É tanto mais que só tu é que sabes!
CODA
Sendo super fã da importância de sabermos estar e sentir no presente, não abandono o passado e futuro como sendo fontes de sabedoria e transformação.
“Olhar para trás, Seguir em frente”
O sublinhado das palavras é meu e não é por acaso, deliberadamente ignoro a escala temporal.
A ideia chave que quero partilhar contigo é que as dimensões e energias do FIKA Organizacional – parar, permitir, criar conforto de corpo e mente, conversar ou expressar o que sentimos e como vemos as coisas a acontecer também pode ser um exercício individual que terá grande impacto no enraizar de todos nós, como líderes, managers, colaboradores.
Pois os tempos andam agitados, polarizados, incoerentes. E ao contrário do que parece, as organizações são no máximo incrementais na sua evolução, nunca exponencias (pelo menos de forma a se manterem perenes e sustentáveis).
Então, se for para ir para outro lado qualquer – novos produtos, serviços, formas de trabalhar, etc. – que seja pelo facto de isso trazer Valor e Impactos às Pessoas e Mundo, não devido apenas porque vendavais externos ou internos à organizacão assim o ditam.
Se queres ficar, que seja por escolha. Se queres ir, que seja por escolha também!
Mas FIKA! ?
Obrigado, Abraço e Fica Bem,
H