A (I)Literacia Organizacional (Parte 1)

A (I)Literacia Organizacional (Parte 1)

2400 1600 Hugo Gonçalves

Todas as grandes coisas vêm de pequenos começos. A semente de todo o hábito é uma decisão única e minúscula. Mas à medida que essa decisão é repetida, um hábito brota e se fortalece.

JAMES CLEAR

LITERACIA ORGANIZACIONAL

Em muitas das nossas dimensões como sociedade, infelizmente ainda vemos muitas notícias e artigos sobre a nossa “falta” de literacia. 

Hordas de comentadores, políticos e claro nós próprios ?proclamamos que o que nos falta como cidadãos e sociedade é literacia. Sobre saúde, finanças, parentalidade, impostos, política e geopolítica e qualquer outro tema importante ou fraturante para a sociedade. 

Sendo o trabalho e as organizações uma dimensão e expressão das Pessoas e Mundo, obviamente que a Literacia Organizacional também possui o seu propósito, palco e impactos.

A grande questão aqui é que a palavra Literacia, no contexto organizacional, é limitada! Pode-nos levar apenas para um referencial de conhecimento, formação e/ou de ferramentas.

Essa visão é um viés deveras perigoso. E completamente desalinhado com os desafios do Mundo Líquido (Ecossistemas de Negócios, Produtos e Serviços) e com as Pessoas Inquietas (ou como muitos lhes chamam os Clientes?).

No contexto organizacional, eu defino Literacia como sendo:

  • O interesse, perceção, consciência que se manifesta em partilhas, conversas, decisões, ações, trabalho individual e em equipa e follow-up por parte de todo o espectro de colaboradores, sobre qual o papel da organização, dos seus produtos e serviços e respetivos papéis dos profissionais para dar respostas às necessidades das Pessoas e Mundo;
  • Com isso as Pessoas identificam e reconhecem o que se passa dentro e fora da organização, e com esses insights alimentam de forma eficaz os processos de transformação e mudança da organização a nível dos produtos, serviços e formas de trabalhar;
  • Criando assim os pilares para fluxos de trabalho colaborativos e multidisciplinares que potenciam e fazem evoluir as Pessoas e que promovem a verdadeira Inovação – criar soluções e impactos que possam de facto dar resposta a necessidades, expectativas e aspirações das Pessoas – ou seja materializar algo exequível, desejável e com viabilidade financeira.

Colocando estas considerações apenas no plano do conhecimento e ferramentas, será sempre complicado sincronizar tudo isto nos diferentes atores (hierarquia) de uma organização.

A questão é que para estes tempos voláteis, ser mestre no jogo infinito é primordial.

E para sermos mestres desse jogo, que implica estar em cima da jogada sobre tudo, ao mesmo tempo e em todo lado, é importante reorganizar a forma como utilizamos as competências de conhecimento, relacionais, emocionais e a experiência nas várias “zonas de exposição” – um comercial está super perto dos clientes e do dia-a-dia, as operações vivem a “praticalidade” da organização e execução, etc.

Para isso é necessária uma nova Literacia Organizacional que na minha visão pode ser materializada através da Engenharia Organizacional.

Vamos então agora em conjunto mergulhar nas dimensões desta literacia. Basicamente baseiam-me em momentos (Consciência, Transformação e Ação) e manifestam-se numa perspetiva de 720º (Interno vs. Externo, Pessoa vs. Equipa, Pessoas vs. Organização, Organização vs. Clientes) e por aí fora.

No contexto organizacional a literacia é a utilização de tudo isto para sermos eficazes e inovadores. Relativamente a dois pilares aparentemente diferentes, mas que estão umbilicalmente ligados – o Product Discovery e o Product Delivery.

// PRODUCT DISCOVERY & PRODUCT DELIVERY

O Product Discovery é sobre descobrir o Quê e Porquê da tua organização. Com base nas necessidades, expetativas funcionais e emocionais, e a segurança que os teus utilizadores e clientes percecionam nos produtos, serviços e trabalho da tua empresa.

É um processo de descoberta e empatia, de investigar informações, oportunidades e soluções que são valiosas para o teu público-alvo e que ao mesmo tempo são viáveis para a sua empresa. É entender profundamente o problema/necessidade antes de pensar em como resolvê-lo.

O principal objetivo é aprender rápido e por meio de experimentação científica e criativa e com isso criar Valor Aplicado:

  • Valor: o cliente vai comprar ou escolher usar essa solução?
  • Usabilidade: o cliente vai entender como utilizar essa solução?
  • Execução: temos capacidade para construir essa solução?
  • Viabilidade: essa solução funciona para o nosso negócio?

No Product Delivery estamos a falar sobre a transferência, organização, preparação, execução e ajustes necessários para materializar os pontos chave do Discovery. Ao mesmo tempo que nos mantemos atentos e curiosos com o mundo e com os desafios e disrupções. 

Saber navegar nisto tudo implica ver-te a ti como sendo parte do ecossistema. E teres a perceção sobre de que forma o teu trabalho, performance, resultados e evolução (e obviamente da tua organização) podem dançar com todas estas dinâmicas.

// LITERACIA ORGANIZACIONAL – GAP & OPPORTUNITY ANALYSIS

Tendo em conta o que tenho visto, escutado, sentido, lido e imaginado no que a esta questão diz respeito, a Literacia Organizacional possui várias dimensões. Algumas mais concretas, outras mais estratégicas, outras mais subtis.

Nesta primeira parte do artigo, quero partilhar contigo algumas dessas dimensões e alguns exemplos das suas manifestações e/ou ausências. 

Na segunda parte irei detalhar abordagens concretas para podermos desenvolver, cocriar e implementar a Literacia Organizacional e assim potenciar oportunidades e agilmente sabermos absorver os impactos da disrupção e incerteza.

Então aqui vão algumas dimensões sobre a (i)Literacia Organizacional

// AUTO LIDERANÇA

Desenvolvermos a Consciência de quem somos, o que fazemos, e o que é importante para nós, enquanto temos a habilidade de Influenciar a nossas emoções, comportamentos e comunicação, para sermos “Owners” e Responsáveis daquilo que depende de nós a nível profissional e qual a melhor forma de manifestar e comunicar (influência) com os outros no sentido de estabelecer as melhores parcerias e performances mútuas.

// INOVAÇÃO

Como já referi nas linhas anteriores, a Inovação não está apenas baseada na criatividade ou até mesmo no foco no cliente e de todo está circunscrita às tecnologias. 

Inovação é o caminho que existe entre uma Ideia, Possibilidade, Resposta diferente e a sua materialização em algo que os clientes, utilizadores, colaboradores possam usar, de forma a terem algum tipo de benefício, autonomia, valor, eficácia e eficiência nas suas vidas. 

Para Inovar são precisos sonhadores, planeadores, fazedores e cuidadores organizacionais.

// A VERDADEIRA PERFORMANCE 

Quando falo de Performance, a grande parte dos clientes e equipas leva isto para resultados operacionais, EBITDA, KPIs e afins. Mas isto é muito unidimensional. 

A verdadeira Performance, aquela que cria sustentabilidade e riqueza (em todas as aceções das palavras), é o melhor resultado entre a integração do nosso trabalho tendo em conta Impactos e Soluções, alinhadas com o contexto, definindo o que é importante fazer (eficácia) e depois então sim criando os fluxos de trabalho para otimizar recursos

// A VERDADEIRA AGILIDADE

Aqui também costumo lidar com vários tipos de perceções superficiais ou mesmo desalinhadas do que é uma abordagem Agile. 

O Agile são um conjunto de 4 Valores, com 12 Princípios, que se podem manifestar com ferramentas e técnicas e roles como o Kanban, Scrum, Product Owner, Scrum Master, Sprints, Stories e afins.

A verdadeira Agilidade implica:

1) foco nos clientes, a descoberta das suas necessidades e aspirações através utilização de um produto ou serviço, codificar isso para requisitos e características de produtos e serviços 

2) só aí então transferir para um ambiente de fluxos de trabalhos colaborativos ou projetos de desenvolvimento, produção e implementação.

A primeira parte tem muito, mas muito mais a ver com Empatia, Human Centric, Valor, Inteligência Emocional, Curiosidade Organizacional, Coaching, Design Thinking do que propriamente com os referências e ferramentas que normalmente associamos ao Agile. 

A verdadeira Agilidade é de Heartset e Mindset.

// PERCEÇÃO E EXPOSIÇÃO AO NEGÓCIO

Este é outro ponto fundamental e onde sinceramente vejo acontecerem muitas discrepâncias e pontos cegos entre os colaboradores e as lideranças, e entre as áreas funcionais.

Para mim a perceção de negócio tem a ver com todos os envolvidos terem um grau adequado de conhecimento e sabedoria sobre os produtos, serviços, dinâmicas específicas das áreas de negócio, as diferentes coisas que “acontecem” na estratégia, nas operações, na rua, na assistência ou suporte pós-venda.

Ainda existe muita distância sobre o que as lideranças realmente sabem sobre o que acontece a nível mais operacional e obviamente os operacionais muitas vezes não estão (e são) enquadrados com temas e aspetos de gestão que têm grande impacto na sua vida profissional e onde poderiam ajudar através a partilha e comunicação dos microproblemas e claro poderem sugerir as micro soluções.

// CONHECER O TRABALHO UNS DOS OUTROS E JOBCRAFTING

Aqui focando talvez um pouco mais no impacto da Liderança nesta questão, mas expandindo isto na boa para um contexto transversal na organização, tenho assistido a muitos, mas muitos casos mesmo onde um dos insights e consciências que surgem em workshops, iniciativas e projetos de Design Thinking, Cultura Organizacional, Gestão Ágil de Projetos, Desenvolvimento de Líderes Evolutivos é que as próprias organizações não conhecem a fundo toda a Abundância de competências, experiências e talentos que existem em si mesmas.

Por exemplo, em grupos ou holdings de determinadas áreas de negócio específicas, com várias empresas e entidades, muitas vezes são subcontratados produtos e serviços externos quando existem empresas no grupo que são especialistas nessas mesmas áreas.

Em muitos projetos de uma determinada área funcional de uma organização existem lacunas ou falta de informação, perceção, competências para dar resposta a determinado desafio. E não se “sabe” que outra área funcional ou equipas ou colaboradores podem ser craques e ajudar de forma relevante. 

Fico mesmo pasmo com esse desperdício e essa iliteracia sobre o portfolio de competências, experiência, performance.

Levando isto para parte mais individual, partilho que também “aparecem” nos meus projetos situações onde próprios líderes e managers assumem (e isso é espetacular?) que descobrem novas competências, talentos e interesses nas suas equipas, pares, colegas e que nunca os tinham “visto” dessa perspetiva

Isto acontecem porque o formato facilitação/workshop, mesmo que seja para projetos e iniciativas mais longas permite que os vários níveis da cadeia alimentar ?de uma organização trabalhem de forma simultânea (no tempo e espaço) e colaborativa.

Ora bem, sendo que cada vez mais:

  • as equipas as novas organizações,
  • os projetos são os novos processos,
  • e os Coaches e Mentores são os novos líderes organizacionais,

não conhecer de forma clara tudo o que a tua equipa, pares, colegas te podem oferecer pode ser um desafio.

// CODA

Na segunda parte deste artigo irei partilhar contigo de que forma – decisões, ações, abordagens e metodologia – podemos desenhar, comunicar, desenvolver e criar impactos e soluções através destas e de outras dimensões (não há espaço para tudo o que me apareceu na cabeça como possibilidade ?) que certamente fazem sentido para a Literacia Organizacional.

Se acompanhas com alguma regularidade o blog, já deves conhecer a importância que dou à integração orgânica de todas estas coisas.

Quando criei a abordagem da Engenharia Organizacional, foi para dar algum tipo de estrutura e fio condutor a um caminho e sincronização de Pessoas, Processos, Produtos, Serviços, Fluxos de Trabalho e Cultura Organizacional que são fluídos, evolutivos e que não são óbvios.

Wilhelm Leibniz dizia algo que considero muito relevante para esta temática:

“No reino do espírito, busque clareza; no mundo material, busque utilidade.”

As organizações também têm o seu espírito, corpo, mente e funcionam como ecossistema.

Saber como tudo isso funciona e está conectado traz Clareza. Essa Clareza permite tomar as melhores decisões. E executar as melhores ações para materializar a Utilidade – algo de bom para todos os envolvidos dentro e fora da organização.


Acredito que trabalharmos a nossa Literacia Organizacional poderá ser uma forma interessante e impactante de atingirmos essa meta.

Obrigado, Abraço e Fica Bem,

H

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