A perspectiva 2D3D

A perspectiva 2D3D

712 420 Hugo Gonçalves
—  ARTHUR SCHOPENHAUER

2D3D – TRANSFORMAÇÕES COMPLEXAS PEDEM COLETIVOS COESOS, NÃO HERÓIS ISOLADOS

Certo dia, um príncipe indiano reuniu no seu palácio um grupo de sábios, todos cegos de nascença. Em seguida, mandou trazer um elefante e este foi colocado diante do grupo.

Conduzindo-os pela mão, o príncipe levou cada um dos cegos até ao elefante para que o apalpassem. Um apalpava a barriga, outro a cauda, outro a orelha, outro a tromba, outro uma das pernas. Quando todos os sábios examinaram o paquiderme, o príncipe ordenou que cada um explicasse aos outros como era o elefante.

O que tinha apalpado a barriga, disse que o elefante era como uma enorme panela. O que tinha apalpado a cauda até aos pelos da extremidade discordou e disse que o elefante se parecia mais com uma vassoura.

“Nada disso “, interrompeu o que tinha apalpado a orelha. “É parecido com um grande leque aberto”. O que apalpara a tromba sorriu de forma trocista e proclamou: “Vocês estão todos enganados. O elefante tem a forma e a flexibilidade de uma mangueira de água…”.

“Claro que não”, replicou o que apalpara a perna, “ele é redondo, mas não tem nada de ondulações nem de flexibilidade, é rígido como um poste…”.

Os cegos envolveram-se numa discussão sem fim. Evidentemente cada um utilizou a sua própria experiência e não conseguiu compreender como é que os outros podiam afirmar algo diferente.

O príncipe deixou-os falar para ver se chegavam a um acordo. Mas quando percebeu que eram incapazes de aceitar que cada um dos outros teve experiências e perceções diferentes, ordenou que se calassem.

“O elefante é tudo isso o que vocês relataram”, explicou. “Tudo o que cada um de vocês descreveu é só uma das partes do elefante. Não devem negar o que os outros percecionaram. Deveriam juntar as experiências de todos e tentar imaginar como a parte que cada um examinou se une com as outras, para formar esse todo que é o elefante.”


Tendo em conta os tempos profissionais e organizacionais que estamos a viver, é importante termos acesso ao nosso verdadeiro piloto automático, como referi no artigo anterior do blog.

No entanto, esta perspectiva de clarividência interna pode não ser suficiente para podermos escolher qual a melhor resposta que podemos dar aos vulcões e lava que abanam a nossa vida profissional e organizacional – surfar a lava ou proteger da lava! 😊


Independente de todas as possibilidades, ferramentas, metodologias que apresento nestes meus vipes no blog, e que também constituem o núcleo da minha abordagem profissional:


isto está tudo tão BANI, que existem limites para aquilo que conseguimos lidar, dar resposta e principalmente compreender através de uma perspectiva individual. 


Certamente já passaste por uma fase profissional onde te sentiste perdid@, bloquead@, em esforço e onde as coisas parece que não fluem.

E se calhar ficaste a pensar que isso tem a ver com falta de força de vontade, de competências, de energia, de (auto)motivação para performance e produtividade, e incongruências da tua liderança, processos e cultura, ou algo do género. Mas pode também ter a ver com uma tua menor exposição a uma perspectiva 2D3D.😊

 

Esta abordagem foi cunhada por Geoff Marlow, especialista em cultura organizacional. Enquadra a parábola indiana que partilhei num formato mais visual, objetivo e mais bem sincronizado com as dimensões organizacionais.

É simplesmente a perspectiva que reconhece que, independentemente do quão importante, experiente ou sénior possamos ser a nível profissional, nenhum de nós consegue ver o quadro completo – 3D – em qualquer situação. A própria perspectiva – 2D – pode ser enriquecida ao longo do tempo pela compreensão, apreciação, aprendizagem, experiência próprias, e através dos insights, ideias e inspirações decorrentes das perspectivas 2D dos outros.

E é este ponto-chave, Hugo. Posições diferentes levam a visões diferentes, mas em nenhuma dessas localizações tens acesso ao todo. E está tudo bem! 😊

É de vital importância reconhecer que a nossa incapacidade de ver as coisas na sua totalidade não é um fracasso pessoal – é apenas uma parte natural e inevitável do ser humano.


O que pode ser um bloqueio à melhoria profissional, e uma grande barreira à inovação organizacional, agilidade e adaptabilidade, é confundir a nossa perspectiva pessoal 2D com toda a realidade.

Ao “tomar os limites do nosso campo de visão como sendo os limites do mundo”, confundimos a nossa perspectiva 2D com toda a realidade 3D. Apanhados nesta armadilha, corremos o risco de só nos relacionamos com quem vê as coisas da mesma forma que nós, alinhando-nos com elas e alienando todos os outros.

Então, quando encontramos alguém que vê as coisas de forma diferente, pensamos: “Ambos não podemos estar certos. E eu sei que estou certo – logo tu estás errado!”

E isto ainda piora 😊, pois ao considerarmos como válida a perspectiva do outro, significa que estamos a assumir que estamos errados, e esta sensação não é das mais fáceis de lidar, certo?

Isso faz com que quem vê as coisas como quadrados se junte mais aos “quadradistas”, quem percepciona os círculos cria a sua tribo de “circulistas” e por aí fora. Já estás a ver onde é que isto vai dar e porque é que nas equipas e organizações temos os famosos silos… 😊


Então, o que começam por ser apenas perspectivas, objetivos, realidades diferentes tornam-se em dogmas, silos, e conflitos, que resultam normalmente em:

  • Erros – Onde tempo, energia e dinheiro são desperdiçados fazendo coisas que não agregam valor;
  • Oportunidades perdidas – Onde coisas que agregariam valor significativo não são feitas;
  • Atrito e inércia – Onde demora uma eternidade para que algo seja feito. 😊


Uma mentalidade 2D3D cultiva a consciência ativa de que todas as perspetivas, incluindo a nossa, são inevitavelmente incompletas, tendenciosas e unilaterais.

Quando esta perspectiva é realmente aceite de uma forma emocional e não apenas cognitivamente, começamos a ver as diferentes perspectivas 2D dos outros não como ameaças, mas como oportunidades para enriquecer o nosso conhecimento e capacidades.


Como consequência dessa mudança de mentalidade, ficamos curiosos sobre aquilo que os outros veem que nós não vemos.

Começamos então a aproximarmo-nos dos outros, e eles percebem que estamos genuinamente interessados sobre suas perspetivas.

Encontros como estes estão imbuídos de uma atitude respeitosa que dissolve a desconfiança, quebra barreiras e nutre relações profissionais saudáveis.

Então, as mesmas pessoas que anteriormente percepcionávamos como estando erradas, mal informadas e equivocadas automaticamente parecem ser interessantes, perspicazes e inventivas.
Desta forma, as mentalidades 2D3D desbloqueiam a cooperação e a colaboração, desencadeando novos insights que levam a novas ideias, experiências e possibilidades, desencadeando a capacidade coletiva de cocriar novo valor.

Apesar do mito “hollywoodesco” do génio solitário que trabalha 100 horas por semana (às vezes seguidas), a inovação é um esforço de equipa que emerge da aglomeração de várias perspetivas diferentes para cocriar novo valor, de novas maneiras.


Os desafios sistémicos que enfrentamos no mundo de hoje são demasiado complexos para serem resolvidos por alguns indivíduos (os heróis), que capitaneiam a definição de um propósito e a tomada de decisões e, em seguida, dizem a todos os outros o que fazer.

É através das pessoas “normais” e dos anti-heróis 😊 que vamos lá chegar e dar as respostas adequadas, no contexto dos profissionais e das organizações


A nível prático do dia-a-dia, as pessoas experimentam a cultura organizacional como a experiência incorporada da forma como “fazemos as coisas por aqui”. É o que acontece quando “o chefe não está”.

Quando as pessoas trabalham juntas durante algum tempo, a cultura manifesta-se através das suas perspetivas, ações, comportamentos e interações. A relação entre cultura e uma perspetiva 2D3D é, portanto, profundamente sistémica.


As organizações também possuem os seus influencers. 😊

Esses influenciadores-chave nem sempre estão nos cargos mais altos. O que os torna fundamentais é que as suas atitudes e comportamentos, originários das suas perspetivas – fixas ou de crescimento – geram sinais e pistas, a partir dos quais os outros inferem “a maneira como fazemos as coisas por aqui”.

Desta forma, este mindset e heartset dos principais influenciadores, que dão origem às suas atitudes e comportamentos, influenciam sistemicamente as mentalidades e, portanto, as atitudes e comportamentos de todos os outros.


É por isso que a maneira mais impactante de fazer evoluir a cultura organizacional é fazer também evoluir, para um patamar equilibrado de competências, capacitação e experiência mas também de inteligência emocional, verdade, abertura e colaboração, a contribuição de todos e principalmente destes influenciadores formais e informais.


Muitos dos meus clientes, colegas e conhecidos do meu círculo profissional são especialistas reconhecidos e/ou na vanguarda das suas áreas. Teria sido muito fácil para eles sentirem que tinham o direito de acreditar que os outros deveriam abdicar das suas próprias perspetivas 2D.

Mas esta malta 😊normalmente reconhece que isso sufocaria a sua própria aprendizagem e evolução profissional. E reprimiria a inovação e estrangulava a agilidade e a adaptabilidade das suas equipas e organização.

Estas pessoas são então os verdadeiros influenciadores de uma cultura organizacional (relativamente) livre de ego. Pois acreditam na tribo.

Quando estas formas de reconhecer, analisar, compreender as Pessoas e Mundo, através da perspetiva de produtos, serviços e processos são amplamente adotadas, a visão alinhada, a tomada de decisões e a definição de ações tornam-se cada vez mais iteradas, rápidas e normalmente adequadas.

 

Como indivíduos, é estranhamente libertador perceber pela primeira vez que não só é OK não saber tudo – mas que nenhum de nós jamais pode saber tudo.

Se conseguirmos transferir esta perspetiva para a nossa dimensão profissional, certamente seremos Pessoas mais felizes e equilibradas e simultaneamente Profissionais mais produtivos e competentes.


Quando as minhas perspetivas estão muito entrelaçadas com a minha identidade, e sendo a minha perspetiva desafiada, sinto isso como uma ameaça à minha própria sobrevivência.

Quando isso acontece, parece evidente que a causa das minhas emoções negativas é o comportamento da outra pessoa. Então é o outro que precisa de mudar, ignorando a verdadeira razão para minhas emoções negativas – o meu emaranhamento na identidade-perspetiva.

Por outro lado, quando a minha identidade é mais autónoma e baseada em essência, e alguém desafia minha visão das coisas, a ameaça dá lugar à interrogação e curiosidade.


Infelizmente, nas últimas duas décadas, tem havido uma tendência crescente de uma identificação cada vez mais profunda com nossas perspetivas 2D. Resultando em maior fragmentação em grupos, facções, posições e guerras – tudo isto apenas dentro das organizações. 😊

Essa tendência foi amplificada e acelerada pela tecnologia, algoritmos e recentemente pela AI. Tristan Harris, um ex-especialista em ética do Google descreveu os impactos deste contexto, num depoimento no Senado dos EUA em 2019:


Se formos bem a ver, em muitos casos as tecnologias, processos organizacionais e hierarquias, no seu impulso de exponenciar a performance, empurram os profissionais para as suas próprias perspetivas 2D. Tornando assim mais difícil entender, apreciar e valorizar os outros cujas diferentes perspetivas destacam aspetos que não vimos anteriormente em nosso mundo 3D complexo, incerto e dinamicamente imprevisível.


Esta abordagem 2D3D não pode ser exigida ou imposta a outras pessoas. Normalmente, os outros adotam a mentalidade 2D3D quando são suficientemente inspirados pelo exemplo de outros que já a adotaram. E certo como o destino, tudo começa na Liderança. 😊


Quem sabe se esta sugestão pode ser útil e fazer sentido! 😉


Obrigado, Fica Bem e Abraço,

H

    WP to LinkedIn Auto Publish Powered By : XYZScripts.com