O Mandato do Céu e o Bom Senso (Parte 1)

O Mandato do Céu e o Bom Senso (Parte 1)

1920 1281 Hugo Gonçalves

O bom senso é a capacidade de ver as coisas como elas são e de fazer as coisas como elas devem ser feitas

Josh Billings

Antes das férias da Páscoa, tive uma semana de trabalho intensa, que foi o culminar de dois projetos (um deles vai seguir agora com a fase de implementação durante os próximos meses).

A perspetiva e abordagem Human Centric foi trabalhada e cocriada juntamente com as respetivas equipas dessas duas organizações, uma dela é referência em sistemas de pagamento de um grande grupo empresarial português e outra, um grande hospital do Porto.

Apesar de as temáticas, desafios e oportunidades serem bastante diferentes – num caso desenvolver uma abordagem multidisciplinar e transversal de Product Discovery e Product Delivery (basicamente design e desenvolvimento de produto e respetiva gestão de projeto), e no outro caso a Humanização dos Cuidados de Saúde nos “clientes” desse hospital, existiram muito boas “consequências” comuns.

Por um lado, através da Evolução das Pessoas, Design Thinking e algumas abordagens da filosofia Agile e Cultura Organizacional, ambas as equipas e organizações realizaram um verdadeiro exercício de descoberta, empatia, imaginação e tomada de decisões para poderem ser proativas em identificar o que as Pessoas e Mundo necessitam.

E como é que isso pode ser diferenciador na criação de produtos e serviços adequados, onde a exequibilidade, desejabilidade e a viabilidade financeira – a verdadeira Inovação – “milagrosamente” se conseguem sincronizar.

Outro impacto foi também o materializar da riqueza e vantagens em se trabalhar de forma multidisciplinar, onde para além das dinâmicas, atividades, canvas, post-its e partilhas, existiram conversas com significado, uma visão integrada e holística da organização e um alinhamento espetacular.

Como os grupos eram grandes, várias equipas realizaram as mesmas atividades e chegaram às mesmas conclusões sobre o que era importante e divergiram nas ideias sobre como lá chegar – ou seja, super criativos e com o Heartset e Mindset abertos e fluídos.

Também dessas sessões surgiram coisas concretas, ações tangíveis, decisões importantes, energia para fazer, muitas questões que me foram colocadas no sentido de eu poder contribuir com ferramentas, exemplos e soluções concretas para a desmultiplicação desse trabalho para o dia-a-dia. 

Mas mais do que tudo isto, o que realmente me maravilhou foi estar a observar simultaneamente no trabalho destas equipas duas dimensões que são paradoxais, no sentido do caos e ordem, no espectro da imaginação e da prática:

  • Um grande sentido de PROPÓSITO E DE PERTENÇA, onde as equipas se sentem realizadas a trabalhar de forma a simultânea para os Clientes e para eles próprios como líderes e gestores, ao definirem o que é realmente importante, quais as estratégias e caminhos a seguir e que ações e abordagens podem materializar isso;
  • Um bom filtrar do que é concetual, ideias, inovação, projetos, etc. para uma aplicabilidade muito prática, baseada no trabalho colaborativo, ferramentas ágeis de projetos e gestão de tarefas e equipas, com uma dose muito, muito grande de BOM SENSO! Como imaginas, o bom senso é um dos commodities mais em falta nas organizações. ?



Sobre esse Propósito e Pertença, veio-me à ideia um conceito que definiu de forma seminal a criação, desenvolvimento e riqueza da civilização chinesa – O Mandato do Céu!

Hein?! ?

// O MANDATO DO CÉU

O Mandato do Céu é um conceito filosófico chinês tradicional relativo à legalidade e “merecimento” dos líderes (inicialmente chefes tribais, lordes, reis, posteriormente imperadores). 

Segundo este conceito, o Céu abençoa e valida a autoridade de um líder justo, mas fica desgostoso e triste com um líder despótico e assim retira-lhe o seu mandato. O mandato do céu, então, seria transferido para aqueles que governassem melhor. 

Sinais astrológicos, eventos naturais e a voz de “Tudo sob o Céu”, ou seja, as Pessoas, assinalariam estas validações e necessidades de transição.

O mandato do céu não tem nenhuma limitação de tempo, depende da sabedoria e ética do dirigente que, supostamente, o possua. O mandato não exige que um líder legítimo seja de nascimento nobre, e de facto, as dinastias foram fundadas frequentemente por pessoas de nascimento modesto.

Este conceito parte de um ponto cosmológico e de mundivisão da civilização. O Algo Maior, a Entidade Superior, o Cosmos são as forças que dão critério e impulsionam a ação humana e o seu natural desejo de auto atualização individual, que se sincroniza na evolução e construção coletiva.

Bem, perguntas tu, que raio é que isto tem a ver com Pessoas e Organizações? ?

// PESSOAS E ORGANIZAÇÕES SÁBI@S

Podemos fazer um bom paralelismo com os desafios, oportunidades e propósitos organizacionais dos dias de hoje:

▶️ Em primeiro lugar, as PESSOAS COMO O CENTRO DAS COISAS.

Sempre enquadradas num contexto de ecossistema e de mundovisão (ou seja, que o mundo que nos rodeia funciona connosco, não por nossa causa e para as nossas causas). ?

Isso implica um sentido organizacional de pertença a algo maior, a termos consciência que o nosso trabalho, produtos e serviços causam impactos (positivos ou negativos) aos Clientes e Sociedade, logo a nós próprios. 

Fazer esse exercício de Empatia e reconhecer como podemos, de forma individual e organizacional, contribuir para essa Evolução, Bem-Estar e Equilíbrio implica uma sabedoria não apenas baseada na experiência profissional e talentos, mas também polvilhada de valores, aspirações, bondade e compaixão por nós próprios, colegas e líderes e clientes.

Esse foco mais relacional e emocional e quem sabe espiritual parece meio desalinhado do que são associações mais “correntes” sobre as empresas – performance, lucro, resultados. 

Sendo eu um rapaz mais de Caminhos e menos de Metas ? (para o bem ou mal), vejo, sei e sou testemunha de que é relativamente fácil atingir objetivos, e muito difícil manter depois o ritmo, manter os princípios, equilíbrio, colaboração e eficácia.

Metas e objetivos geram comportamentos. Caminhos normalmente geram Evolução, Conhecimento, Aprendizagem, Adaptabilidade.

▶️ Temos também a questão dos IMPACTOS E SOLUÇÕES e como estes são criados. Reconhecendo o que é realmente importante, como podemos lá chegar, como melhor distribuir tarefas, atividades e projetos através da melhor sincronização e valorização da competência, talentos e ideias dos colaboradores. 

Para isso são importantes uma ótima observação do que acontece à nossa volta, uma boa partilha interna no seio da organização, abrirmos o microfone para todos os que possam colaborar e estão próximos dos locais onde as coisas realmente acontecem e promover os nossos colaboradores a consultores internos, a exploradores, a designers e criativos.

▶️ Também podemos correlacionar os princípios chave do Mandato do Céu como proporcionar as melhores condições às Pessoas para construírem a sua melhor Realidade. Através da PARTILHA E EVOLUÇÃO.

Gosto muito do conceito do Business Karma. ? Promovo este fenómeno nos meus workshops e intervenções. Trata-se de Pessoas que estão num grupo e que conversam sobre os desafios mútuos e que partilham soluções, sugestões que levam a umcross-mentoring organizacional.

▶️ Obviamente a LIDERANÇA não pode deixar de estar presente nesta correlação.

Embora a Liderança se esteja cada vez mais a manifestar de uma forma mais alinhada com as necessidades da Pessoas, do Mundo e principalmente dos colaboradores, ainda existe muita gestão, muita execução, muito trabalho fruto de falta de bom senso, de “vício” às regras e políticas organizacionais, mesmo quando estas são contraproducentes para os pontos focados anteriormente. 

Em ambos os projetos que referi, a liderança de topo esteve presente. 

Soube escolher os seus momentos de colocar questões ou de “puxar” pela equipa para concretizar em cenas concretas o que tinha sido definido.

Transpondo para os dias de hoje e para a minha visão da Evolução Profissional e Organizacional, um líder, gestor e até mesmo um colaborador deve ter bem presente de que forma o seu trabalho contribui para o Mandato do Céu organizacional.

E claro, este deve estar muito bem definido e comunicado! ?

Implica um exercício de consciência deliberada e observação (não avaliação) de nós próprios, de outras pessoas e do contexto em que trabalhamos:

  • Estou a agir de acordo com os meus valores? E quais são esses valores?
  • Estou a ser o líder ou o profissional que aspiro ser? Como estou a lidar com os desafios que esse caminho me apresenta?
  • Como é que a minha equipa e colegas se estão a sentir? Estamos alinhados? Existem fricções?


É também um exercício prático intencional de esperança. Necessitamos desta para acreditar e colocar energia no futuro organizacional que desejamos, e definir quais as etapas para alcançar esse futuro. 

É também uma dinâmica de compaixão. Porque esta é uma das nossas caraterísticas mais naturais. Porque começa pela curiosidade – sobre as outras pessoas, sobre o que as motiva e como é que o mundo fora do nosso mundo realmente funciona. Logo também tem o seu espaço na estratégia, decisões, partilha e performance organizacional.A compaixão, por definição é uma renovação da nossa curiosidade inata pelos outros e pelo mundo.

A sabedoria em 2 simples passos ?

// MAS O QUE SIGNIFICA REALMENTE O CÉU?

Bem, o Céu somos Nós! ? 

Apesar de a palavra Céu ter uma conotação de “acima”, tem mais a ver com uma visão orgânica e multidimensional, em formato 720º. Tudo, em Todo o Lado, ao Mesmo Tempo!

Tem a ver com a nossa própria Autoliderança e reconhecer simultaneamente a nossa riqueza interna e as nossas limitações.

Trata-se, através de algo visível e material como produtos, serviços, trabalho, reuniões, decisões, alimentar necessidades práticas viscerais, emocionais e relacionais. Ao mesmo tempo que sentimos também ativas e alimentadas outras aspirações mais existenciais, de pertença, de paz e alegria.

Céu significa ter a tal mundivisão da organização, como sendo um Ecossistema onde fazemos parte, temos responsabilidades e papeis fluídos. 

Trata-se do “planeta” organizacional onde vivemos, leia-se a Cultura, que basicamente sustenta a gestão daquilo que é atual e deve ser a mola impulsionadora da imaginação de realidades futuras.

Tudo isto implica uma sabedoria mais concreta, prática, baseada na eficácia e no bem organizacional comum.

E como defino Sabedoria?

  • Reconhecer que o mundo é um fluxo e que o futuro será sempre diferente do presente;
  • Aceitar que existem limites sobre aquilo que podemos conhecer e absorver;
  • Promover uma orientação pró-social que promove o bem comum.

Para isso necessitamos de Bom Senso nas Organizações!

Na segunda parte deste artigo irei partilhar a minha visão sobre como o Bom Senso merece a sua própria área funcional. Ter responsáveis e quem sabe departamento próprio e qual o possível impacto disso na Eficácia, Eficiência, Performance, Evolução e Inovação de Profissionais e Organizações.

E como o Bom Senso é uma metodologia de materialização do Mandato do Céu Organizacional.

Enquanto isso, olha para cima e para dentro e reflete e sente sobre qual é o teu Mandato do Céu Profissional! E conta-me coisas, se fizer sentido partilhar! ?

Obrigado, Abraço e Cuida-te

H

    WP to LinkedIn Auto Publish Powered By : XYZScripts.com