Um ser humano deve ser capaz de mudar uma fralda, planear uma invasão, trinchar um peru, comandar um navio, desenhar um edifício, escrever um soneto, gerir contas, construir uma parede, confortar os moribundos, receber ordens, dar ordens, cooperar, agir sozinho, resolver equações, analisar um novo problema, aplicar estrume, programar um computador, cozinhar uma refeição saborosa, lutar eficientemente, morrer galantemente. A especialização total é para insetos.
Robert Heinlein, em Amor sem Limites
O OUTSIDER PROFISSIONAL – PARTE 2
No artigo anterior tinha apresentado o conceito de sermos Outsiders Profissionais – alguém que para se realizar, necessita de ter um ambiente de exploração, observação e conversas para melhor perceber o que se passa e conseguir abordar um desafio ou oportunidade da forma mais rica e simples.
E que consiga ter um compromisso simultâneo com aquilo que é importante para si enquanto trabalha apaixonadamente e em contacto regular com outras áreas, pessoas, desafios, aprendizagens.
Enquanto inicio a preparação e escrita da segunda parte deste artigo, veio o novo confinamento o que tornou a questão do “Outside” meia irónica. ?
Mas tudo bem, vou trabalhar com o que tenho. Continuando…
A Especialização e a Amplitude de interesses são dois registos com formatos diferentes, mas não necessariamente antagónicos a nível de resultados.
Por exemplo, se olharmos para a história de vida de Tiger Woods, vemos que ele é um exemplo de hiperespecialização. Quando tinha meses já dava umas tacadas. Aos dois anos já ia a programas de televisão mostrar os seus dotes. Aos 4 já ganhava torneios a crianças de 10.
Roger Federer teve um percurso diferente. Ele experimentou quase todos os desportos possíveis e imaginários antes de se fixar no ténis.
Nesse sentido operou o seu desenvolvimento no desporto de uma forma não estruturada, através da experimentação.
O que lhe permitiu aplicar os traços físicos e mentais específicos de cada desporto no desenvolvimento do seu próprio estilo de jogo de ténis.
A nível profissional, o foco na repetição, no standard e nos processos não leva totalmente a uma melhoria de performance e de aprendizagem, como ficou provado por estudos realizados de forma independentes por Gary Klein e Daniel Kahneman.
O ponto chave é o contexto, não o esforço. Ou seja, tudo tem a ver com se o mundo onde se manifesta essa performance ou aprendizagem é Acolhedor ou Exótico.
Aprofundando a definição de Mundo Exótico que partilhei na primeira parte deste artigo, este é um mundo onde as regras do jogo estão difusas ou incompletas, onde não existem tantos padrões repetitivos ou lógicos e onde o feedback é inexato, com delay ou ambos.
O Outsider Profissional é então aquele que consegue “transportar” o conhecimento e experiência de um domínio e aplicar em outros, expandindo horizontes e evitando as trincheiras cognitivas.
Vão “gamar” ? o que funciona em áreas diferentes das suas, mas com problemas semelhantes ou análogos aos seus. Evitam renderem-se à primeira aos padrões convencionais ou ao que consideram já meio mofo.
Sendo assim, têm melhores condições de prosperar no mundo Exótico.
A abertura, exposição e interação com este mundo moderno trouxe uma melhor adaptação à complexidade. Mas essa adaptação não corresponde diretamente a performance e soluções.
É preciso criar espaços de prática, de “dança e saltos” dos profissionais para a exploração de outras áreas, analogias, desafios, que permitam desenvolver o pensamento abstrato, a criatividade e as analogias que levam às melhores soluções e impactos nas suas áreas de intervenção e influência.
Aprendendo assim a Pensar e Sentir e só depois identificar qual o tema mais importante para utilizar essas capacidades.
Dando assim poder do FIT entre as aspirações e talentos das pessoas e as funções/círculos.
Assim podemos ter uma estrutura de círculos e papéis centrada no propósito da organização. As pessoas são vistas como “centelhas” que “energizam” determinados papéis no sistema em dado momento e contexto.
Isto permite um desenvolvimento profissional orgânico, rico, e de altura forma com o ritmo certo.
Para isto acontecer é preciso tempo…. também cronológico.
Mas principalmente encontrar o ritmo adequado. Para que a aprendizagem, desenvolvimento e capacitação dos líderes, gestores, profissionais seja experienciada em modo degustação.
provar, degustar, conversar – onde a comida gourmet são “dificuldades desejáveis” ou desafios diferentes.
No curto prazo este slow development pode ser algo frustrante.
Mas acredita que se este percurso for bem desenhado e for polvilhado de momentos de desenvolvimento pessoal, criatividade, aprendizagens e aplicações práticas, a médio prazo a preparação das pessoas é muito melhor.
Porque cria massa crítica, criatividade expandida e agilidade emocional e profissional para poderes redesenhar o teu trabalho e quem sabe a tua organização, tendo em conta o BANI e VUCA.
Com isto, potencias as analogias como ferramenta de inovação e estratégia – pois permite criar algum tipo de racional sobre problemas com os quais nunca nos deparamos, em contextos completamente novos e em constante mutação. Vai permitir termos uma “compreensão” de algo que ainda não conseguimos ver como funciona e se manifesta.
Como todos os viajantes, também ao Outsider Profissional cabe a escolha e “coragem” de ficar ou seguir em frente, para outras paragens de exploração.
É um verdadeiro exercício de desapego, que, porém, nos torna mais seguros pois internamente percebemos que as nossas canas de bambu (alicerces interiores) se mantêm solidas, independentemente do ecossistema exterior.
Essa escolha fica mais clara quando, como profissionais e organizações, mantemos uma visão cristalina sobre o que pode ser o nosso Match Quality – o grau de FIT entre Quem Somos e aquilo que Fazemos.
Então fica aqui uma questão importante:
Mudar e “desistir” tem a ver com falta de perseverança ou é uma engenhosa consciencialização que existem melhores “Match Qualities” disponíveis?
É uma questão que confesso é importante na minha vida. Independentemente da resposta que surja em ti, é de valor e grande coragem simplesmente olharmos de frente para essa questão e tudo o que ela envolve.
Pois esta “mexe” com o nosso Síndroma do Impostor.
Para o Outsider Profissional, as metas e objetivos a longo prazo só fazem sentido após um longo e honesto processo de descoberta e experimentação. E parar de vez em quando, qual miradouro numa caminhada, e refletir sobre o seguinte:
Eu sou esta Pessoa e Profissional neste momento, aqui estão as minhas motivações e aspirações, aqui está o que descobri até agora e são estes os possíveis palcos que tenho para materializar isso. Qual o caminho a seguir por agora?
Na primeira parte do artigo falei também sobre as raposas. Mas para além da liberdade arisca das raposas ? devo realçar que as raposas (neste contexto) possuem também olhos de libélulas. Estas possuem dezenas de milhares de lentes no seu sistema ocular, cada uma captando diferentes perspetivas e sinais, que depois de sintetizados no seu cérebro proporcionam uma experiência superior ao 3D normal.
Obviamente que o que aqui descrevo do livro do Epstein e que conecto com o contexto das Pessoas e Organizações pode não ter aplicabilidade total. E é complicado interpretar como um processo de transformação linear.
Mas é um ponto de partida. Uma possibilidade. Uma opção. Implica uma abordagem diferente de Liderança, Gestão, Serviço.
É fácil falar eu sei ?
Porque muito do que aqui refiro como sendo para transformar ou abdicar ainda são parte do núcleo da performance e cultura das organizações. Foi assim que prosperaram, que tiveram sucesso, que criaram segurança, que foram reconhecidas pelo mundo.
Logo a abordagem caminho do meio será o design e desenvolvimento de uma cultura. Onde as práticas standard e as atividades disruptivas exploratórias e human centric possam coexistir. Ter um timing e palcos comuns.
Acredita que eu tenho plena consciência que este trabalho invisível de sonharmos e criarmos pontes entre pessoas, conhecimento, emoções, contextos, desafios e oportunidades dispersos e antagónicos raramente recebe a atenção de investidores de start-ups, de jornais e publicações, ou leva a vendas massivas ou é reconhecido pelos líderes, pares, colegas, clientes, fornecedores.
Mas confia, é um trabalho de criação de interior de riqueza. Em muitos casos torna-se o pilar basilar da integração entre Pessoas e Organizações e contribui de forma intensa para que todos possamos pelo menos experimentar para que depois possamos escolher.
Ser um Outsider Profissional é um Campeonato sem Fim e uma Paixão por Rotinas Simultâneas.
Obrigado, Abraço e Cuida-te