Como profissionais, pensamos sempre em como trabalhar melhor, mas quase nunca como descansar melhor.
Vemos o trabalho e o repouso como sendo algo binário e mutuamente exclusivo. A verdade é que o repouso é um dos maiores aliados do trabalho.
Vejamos a descoberta da estrutura da molécula de ADN, descoberta conjuntamente pelo britânico Francis Crick e pelo norte-americano James Watson. Foi construída na sua maior parte em caminhadas, longas conversas em pubs e pesquisas aleatórias de livros em bibliotecas.
Os cientistas do sono, psicólogos, neurocientistas e outros especialistas do desenvolvimento pessoal e social humano já validam através de experiências inequívocas que sustentam que um descanso robusto contribui para um melhor desenvolvimento e resiliência de todas as nossas funções cerebrais.
Ao pesquisar um pouco mais sobre este assunto, encontrei um livro, com o nome infelizmente pouco criativo de “Descansar”. Da autoria de Alex Soojung-Kim Pang, tem um subtítulo que esse sim me chamou à atenção – A razão pela qual conseguimos fazer mais quando trabalhamos menos”.
Alex Pang apresenta algumas ideias e propostas bastante interessantes, com argumentação lógica, emocional e de bom senso. Obviamente continuou a captar a minha atenção.
Existem 4 ideias através das quais se constrói a proposta de Alex Pang:
♦ Trabalho e Repouso são parceiros. A melhor forma de trabalhar ao longo do dia é intercalar de forma planeada e equilibrada momentos de foco e energia com outros de repouso e pura abstração;
♦ O Repouso é sempre Ativo – Enquanto dormimos, o nosso corpo gasta apenas um pouco menos da energia do que quando estamos acordados e ativos. Durante o sono, o nosso organismo processa toxinas, repara lesões, consolida experiências e aprendizagens e gera sonhos, que são a nossa forma evolutiva primordial;
♦ O Repouso é uma Aptidão – Alex apresenta o repouso como sendo uma espécie de competência. Podemos, com prática, conhecimento e autoconsciência, criar as nossas melhores formas de repouso, adequadas a nós.
♦ O Repouso Intencional proporciona uma maior criatividade, agilidade perante decisões e resistência ao stress.
Foi muito curioso ver como certas abordagens, levadas a cabo por grandes personalidades da nossa História, que estiveram sujeitos a pressões, desafios, competições e experiências inimagináveis de lidar, conseguiram obter esses resultados dedicando apenas uma pequena porção do dia para realizar essas atividades.
4 horas
Embora esta ideia já tenha sido apresentada em outras obras que tive a oportunidade de ler, aparece como a primeira estratégia. Ou seja, em vez de organizarmos a vida em redor dos dias, devemos organizar a vida em torno do trabalho. Isso significa escolher qual o melhor horário, ambiente e intercalar de atividades e repouso que vão levar aos melhores resultados. Ou seja, potenciar o trabalho e foco aliviando o esforço.
Charles Darwin, por exemplo, tinha a seguinte rotina:
“Iniciava o seu trabalho das 8h15, trabalhava até às 10, quando se dedicava a ler a sua correspondência.
Às 11 dava uma caminhada de 1 hora pela sua propriedade, retornando ao trabalho das 12 até às 13. Nesta altura, conta-se que dizia para si próprio “ que belo dia de trabalho que acabei de cumprir”.
Durante a tarde, das 14 às 16 fazia uma sesta, após a qual passeava mais um pouco até se juntar à sua família para conviver e jantar.
Escreveu 19 livros, milhares de artigos, dezenas de milhares de cartas com esta rotina.”
Malcolm Gladwell, no seu best-seller Outliers, defende que para atingirmos a excelência numa determinada competência devemos dedicar pelo menos 10 mil horas de prática deliberada. Alex Pang sugere que para podermos ser competentes, eficazes e profissionais equilibrados e saudáveis devemos ter 10 mil horas de prática deliberada, 12,5 mil horas de repouso deliberado e 30 mil horas de sono.
Rotina Matinal
Scott Adams, o famoso cartoonista de “Dilbert” cumpre escrupulosamente uma rotina diária. Faz tudo para que as primeiras 4 horas do seu dia estejam destinadas ao seu trabalho criativo.Ele considera que é este mix de liberdade de pensamento e disciplina de atividades que lhe permite trabalhar da melhor forma. E tenta também manter a rotina nos seus horários.
As rotinas funcionam como marcadores de ritmo, como bases de comparação. Servem para que o corpo e mente se adaptem a dum determinado comportamento. Isto permite realizar um melhor planeamento, sequência de atividades e valorizar esse trabalho ao dizer não, quando adequado.
Andar
Foi através de imensas caminhadas por Copenhaga que o filósofo Kierkegaard chegou aos seus melhores pensamentos. Ele e outros notáveis daqueles tempos eram seguidores da seguinte máxima:
Solvitur Ambulando – Resolve-se a Andar
O grande potencial do Andar é que nos permite realizar em simultâneo duas atividades bastante importantes:
- Descontrair a mente;
- Divagar por aquilo que nos rodeia e que raramente prestamos atenção;
A Apple, LinkedIN, Facebook, os seus líderes e colaboradores sempre valorizaram esta abordagem realizando as denominadas reuniões em movimento e criando infraestruturas que permitam que as caminhadas, passeios e discussões informais de grande importância e valor possam ser realizadas de forma intuitiva e imediata.
Um grande executivo definiu com a maior simplicidade possível o papel que uma caminhada tem na vida profissional dele:
Percebo o que pode ser feito, percebo o que devo fazer e o que devo abandonar.
Fantástico. Já se imaginou a conseguir materializar este poder de decisão e clarividência todos os dias? De que forma iria impactar a sua vida?
Sestas
Churchill é o mais famoso “sesteiro”. 🙂
Churchill considerava as sestas fundamentais porque lhe proporcionavam equilíbrio mental, renovação de energia e uma boa disposição. Só permitia que o acordassem se Londres estivesse a ser bombardeada de forma infernal.
Os cientistas do sono advogam que a sesta pode ser “programada” no seu propósito. Ou seja, que antes de nos permitirmos deitar (sim a sesta funciona cognitivamente e fisiologicamente melhor se estivermos completamente deitados) devemos refletir sobre o objetivo da mesma – descansar, parar a mente, refletir sobre uma questão ou decisão. Segundo esta nova abordagem, saber fazer sestas é também uma ótima competência profissional. 🙂
Parar
Saber parar no momento adequado é um ótimo fio condutor de eficácia e criatividade profissional. Quando o trabalho está a correr muito bem e falta um pouco para terminar e sabemos para onde ir, devemos parar. Hemingway era grande fã desta abordagem. Segundo o que tive oportunidade de perceber, deixar uma “ligação” positiva para o tempo de trabalho ou dia seguinte criar um fio condutor. Este promove o bem-estar do recomeço e obriga o cérebro a, nesse intervalo, a realizar uma avaliação ou reflexão subconsciente.
De facto, trabalho e repouso não são binários.
São duas energias que permitem o contacto com o melhor de nós e a eficácia dos resultados – gerados de forma integrativa e não através do excesso.
O repouso é portanto, um dos elixires da produtividade profissional.
Abraço, Bom Trabalho, Bom Repouso,
Hugo