“Os Três Príncipes de Serendip”, de Horace Walpole, conta as aventuras de três príncipes do Ceilão, actual Sri Lanka, que faziam descobertas inesperadas nas suas viagens e demandas e cujos resultados surgiam por acaso e não consequência de alguma reflexão ou experiência realizadas. Graças à sua capacidade de observação e sagacidade, descobriam “acidentalmente” a solução para dilemas impensados. Esta característica tornava-os especiais e importantes, não apenas por terem um dom especial, mas por terem a mente aberta para as múltiplas possibilidades. Ou seja, percorrer um caminho sem destino é uma fonte de conhecimento e novas soluções.
De facto, não faltam exemplos na história de novos produtos, serviços e abordagens de negócios que foram encontradas “por acaso”. Mas acaso é uma palavra um pouco complexa e até mesmo assustadora para as organizações e principalmente para os gestores. Acaso está associado a risco, à falta de controlo, a caos, a não garantia de resultados. Mas como dizia Louis Pasteur, o acaso favorece a mente preparada (leia-se organização).
A evolução empresarial está intimamente à fluidez da ligação entre Criatividade, Inovação e Empreendedorismo. Esta ligação nem sempre se materializa de forma sequencial, pois Inovar pode ser “pegar” numa ideia, conceito, tecnologia ou abordagem já existente e criar um novo produto, serviço ou aplicação. Empreender “dentro” de uma organização pode ser simplesmente combater o sistema e permitir que uma ideia ou nova oportunidade de criação de valor consiga “atravessar” todos os obstáculos que a rigidez empresarial coloca no caminho (procedimentos, aversão ao risco, desconhecimento por parte de quem decide do contexto onde a inovação|nova abordagem vai ser implementada).
Desenvolver a Criatividade no âmbito da empresa faz com que as nossas competências, skills e personalidades individuais possam perscrutar o horizonte que nos rodeia e assim realizar o que podemos chamar de business insights. Inovar é criar a ligação entre o novo e as oportunidades que existem para beneficiar, ajudar, resolver problemas. Empreender é agir, é passar dos drafts à prática, é ser um sonhador que faz!
Tudo isto é possível apenas quando as pessoas possuem um comportamento criativo e empreendedor no seio de uma empresa, iniciando de forma pro-activa um conjunto de actividades que têm por objectivo transformar uma ideia em lucro, de preferência com um propósito ou impacto positivo na sociedade. A energia que alimenta essa transformação é uma mescla de risco, reconhecimento e liberdade conceptual.
Para que exista um verdadeiro empreendedorismo organizacional, a empresa precisa de viver em duas realidades distintas: A realidade da busca e a realidade da execução:
- Na realidade da Busca, a organização reflecte sobre o seu propósito e de que forma este está alinhado com o que a sociedade espera e deseja dela (resolver problemas, proporcionar experiências, fazer poupar tempo, etc). Nessa busca, precisa de perceber o que ela é e o que esperam dela. E se existir um desalinhamento, quais as consequências actuais ou futuras. Nesta fase da Busca, as pessoas abraçam o risco, flexibilizam as regras, valorizam o percurso de criar e melhorar do que os próprios objectivos e existe um caos (orientado ou talvez não) no sentido de que as pessoas colocarem os seus talentos, competências e personalidades ao serviço desse caos.
- Quando existe o “fit” entre a organização e os seus clientes, utilizadores e beneficiários, a organização avança para a realidade da Execução. Pensa como pode optimizar recursos e competências no sentido de materializar o fit atrás referido. Avalia qual a melhor forma de o fazer, com menos riscos. Define processos e actividades de controlo para não perder o fio à meada. Define e valoriza os ambientes estruturados e a consequência de todas essas actividades tem que ser, de forma isolada ou em conjunto com outros resultados esperados, o lucro.
Estamos a falar de realidades, abordagens e palavras-chave distintas. Estamos a falar deorganizações ambidextras. Empresas que saibam definir um fio condutor de Criatividade | Inovação | Empreendedorismo ao mesmo tempo que consegue ser disciplinadas o suficiente para entregar o Valor esperado aos seus clientes, utilizadores e beneficiários da forma mais optimizada possível. E este equilíbrio começa nas pessoas. E no potenciar individualmente e de forma colectiva o melhor mix de personalidades.
O intraempreendedorismo (intrapreneurship) é um sistema cujo propósito é acelerar as inovações dentro de grandes empresas, através do uso melhor dos seus talentos empreendedores. O termo intrapreneur foi pela primeira vez utilizado por Gifford Pinchot em 1985. Estamos a falar de alguém que, na posse de uma ideia ou insight que possa ser materializado em novos negócios e lucro, desbrava caminho “por entre a organização” para materializar essa ideia. Luta contra a inércia. Remove obstáculos. Partilha a sua paixão com outros. Sonha mas Faz! O perfil desta “tribo” é o seguinte:
- Movidos pela paixão e bem maior da organização (Visão)
- Correm riscos (de forma responsável)
- Persistentes
- Flexíveis com as regras (de forma honesta)
- Acreditam na comunicação (escuta activa e feedback)
- Não evitam divergências se estas forem necessárias para a inovação vencer
- Possuem uma fantástica network
Dando como certo que todas as organizações possuem o capital humano (ou pelo menos o seu potencial) para transformar novas ideias e abordagens em produtos e serviços de valor, é necessário que a empresa promova o ambiente adequado para que o caos da procura e busca seja devidamente enquadrado com a disciplina e lógica da execução.
Como pode então uma organização fomentar esse ambiente adequado para a inovação?
Comecemos pelos recursos e prioridades. Hoje em dia as coisas não estão fáceis, e não existe muita disponibilidade ou flexibilidade para alocar os devidos recursos financeiros ao desenvolvimento ou exploração de uma nova abordagem de negócio ou produto/serviço. Mas pior que não ter novas ideias, é ter várias e não as conseguir desenvolver ou explorar. Uma possibilidade é fazer uma análise aprofundada das ideias e avaliar quais as que obtém as melhores probabilidades, através da validação segundo 2 critérios (por exemplo facilidade de implementação vs impacto|ganhos previstos). Esta triagem permite que a organização foque os seus recursos nas abordagens que mais facilmente vão originar valor e novas oportunidades de negócio.
Quanto ao ambiente organizacional, a diversidade de personalidades é fundamental.Cada um de nós pode assumir um papel crucial na exploração de novas oportunidades. Numa equipa, é sempre preciso alguém que agite as águas, alguém que faça o papel de advogado do diabo, alguém que motive, alguém que nos apresente as pessoas certas, alguém que pesquise, alguém que nos faça questionar. Alguém que contabilize e mapeie. Tudo isto requer personalidades diferentes.
Formalizar a inovação numa empresa pode ser feito com pequenas decisões e abordagens que passam mensagens muito importantes. Desde criar um budgetdedicado à Inovação (independentemente do valor), “oferecer” parte do tempo semanal do trabalho para que os colaboradores possam dedicar-se à exploração de novas abordagens ou definir um sistema de reconhecimento que permita recompensar o facto de a pessoa dedicar os seus talentos, interesses e personalidade a encontrar algo que beneficia a organização como um todo são algumas abordagens que proporcionam óptimos resultados.
Comunicar também é fundamental. Tornar visível o sentido de urgência, apresentar tendências e desafios futuros para todas as áreas de negócio; refinar novas ideias com várias pessoas (vários feedbacks) são importantes ferramentas de validação de novas ideias e abordagens.
Cabe às organizações proporcionar aos seus colaboradores um caminho. Para que a exploração desse caminho por parte dos colaboradores apresente novas perspectivas, abordagens que de outra forma nunca teriam tido hipótese de ser consideradas.
Um abraço,
Hugo Gonçalves