Catch 22

Catch 22

1440 810 Hugo Gonçalves

A ideia deste artigo é, através do meu papel de observador, tornar algumas questões mais conscientes. Porque o dia-a-dia profissional é desgate, é reação. E muitas vezes o óbvio não é percepcionado.

Catch 22. Uma das maiores obras literárias do século XX. Passado em Itália durante a II Guerra Mundial e escrito por Joseph Heller, conta a história de Yossarian, um comandante de bombardeiros, um herói incomparável e matreiro, que está furioso porque milhares de pessoas que não conhece de lado nenhum querem matá-lo.

Mas o seu verdadeiro problema não é o inimigo – é o seu próprio exército.  O número de missões de voo que os homens têm de cumprir aumentam a cada dia. Se tenta arranjar uma desculpa, viola a Catch-22, uma norma burocrática hilariante e sinistra:

Um homem é dado como doido se continuar a participar voluntariamente em perigosos voos de combate, mas se apresentar um pedido formal de dispensa é declarado mentalmente são e como tal é-lhe negada a dispensa.

Yossarian rapidamente percebe que o Catch 22 não existe, mas isso não faz diferença. O que interessa é que toda a gente na base sofre de “Achismo”.

Muitos líderes consideram este romance como sendo uma das maiores analogias sobre a gestão, hierarquias e organizações – e respetiva “loucura”.

 

Catch 22 nas Organizações | Contexto

Uma questão que pode ser extrapolada do livro são “os tiros nos pés organizacionais”. Num dos episódios do livro, é pedido ao esquadrão de Yossarian que bombardeie os muros que delimitam uma pequena aldeia para que os estragos possam resvalar por uma encosta e bloquear uma estrada.

Tendo Yossarian argumentado que bombardear diretamente a estrada iria permitir fazer o serviço e evitar potenciais mortos, foi-lhe respondido que provavelmente essa possibilidade não tinha sido comtemplada mas o importante era cumprir a ordem do decisor e nem tanto atingir um determinado resultado.

As Pessoas devem dialogar de uma forma focada, baseando as suas análises e decisões em factos e dados. A questão não tem a ver com os decisores e executantes, mas sim com a forma como a mensagem é passada. Existe uma regra silenciosa de gestão que diz que os líderes e gestores intermédios recebem apenas 10% da verdadeira informação sobre um determinado assunto pelo qual são decisores e responsáveis pelos resultados.

 

Existe um personagem, o Coronel Cathcart, que apenas possui um intuito – impressionar os seus superiores e sentir-se importante. E todas as suas decisões têm por objetivo alimentar essas necessidades. Por isso aumenta o número de missões e respetivos voos de combate, exaurindo a sua equipa. Lidera pelo desgaste e pelas métricas e indicadores. E as métricas geram comportamentos.

Apesar de querer ser importante, Cathcart tem um receio enorme de verdadeiramente não o ser. Todas as organizações possuem os seus Cathcarts – esta minha afirmação possui significância estatística (uma pequena private joke para quem trabalha com Six Sigma e SPC).

 

Catch 22 nas Organizações | O Mundo Real

Mas tudo o que partilhei até agora é algo relativo, conceptual. Em seguida apresento contextos organizacionais onde considero que o conceito de Catch 22 assenta que nem uma luva:

Planeamento vs. Reação – Pessoas e Organizações não possuem recursos e tempo suficientes para poderem planear, avaliar e executar os seus processos da melhor forma. Porém, ao não fazê-lo, vão utilizar muito mais tempo e recursos no “bombeirismo”, nas urgências, desgaste e falta de foco e desvios às boas práticas.

PessoasQuestionando todos os líderes e profissionais, as Pessoas são sempre consideradas o ativo mais valioso da organização. Mas privilegia-se quase semore a eficiência de abdicar de um custo (eu defino abdicar de um investimento) associado às Pessoas.

Agilidade vs. Estabilidade – Todas as pequenas empresas, microempresas e startups desejam escalar o seu negócio. Querem o reconhecimento e uma estrutura que permita compensar o risco e trabalho de  criar, comunicar e entregar ao mercado algo que seja de valor.Mas quando essa dimensão surge, grande parte do tempo é passado a gerir e reagir e não a identificar e entregar valor.

As grandes empresas desejam ser ágeis. Isso implicar abdicar das tradicionais hierarquias, redimensionar o empowerment e promover um tipo de cultura que é disruptiva e é contraintuitiva. E isso mexe com as Pessoas.

Produto vs. Serviço – É necessária uma boa estrutura de competências, fornecedores e gestão para apresentar ao mercado algo robusto e útil. Mas ao não seguirmos essa abordagem, teremos que reinvestir (com penalizações) em call centres, customer service, reparações, retrabalhos, etc.

Pessoas – Esta foi fácil! Se um profissional tem vontade de realizar o melhor trabalho possível e assinala oportunidades de melhoria ou incoerências em determinados processos, corre o risco de eventualmente ser considerado o “advogado do diabo” ou alguém que está sempre a criticar.

Se aceitar a situação, corre o risco de os processos e indicadores pelos quais será avaliado serem desgastados e nesse sentido também é penalizado.

Alinhamento entre Pessoas e Organizações – Muitas Pessoas e Organizações estão neste momento numa relação de conveniência. Se a questão material fosse gerível por parte do profissional, neste momento o quadro das empresas estaria alterado em 70%. Vários estudos já demonstram isso. Existiriam outras que rapidamente iriam fechar devido a ruptura de know-how, inteligência emocional e espírito de equipa.

Isto deixou-me estupefacto mas faz algum sentido. Fica caro para os sonhos, vontade de evoluir e saúde de um profisisonal manter-se numa organização que não lhe permite dar o seu melhor. Fica caro a uma organização manter pessoas não-alinhadas com os seus objetivos, oportunidades e ambiente colaborativo.

 

Dou-me agora conta que com este artigo criei o meu próprio Catch 22:

Assinalo algumas incoerências que existem nas organizações. Estas podem ser interpretadas como críticas aos decisores|gestores|influenciadores que constituem a base de clientes dos meus serviços. 

Ao não o escrever estaria a contribuir para manter estas oportunidades inconscientes. Os processos de reflexão organizacionais não devem continuar “abafados” na penumbra dos processos, sistemas, hábitos e reações.

Obrigado, boa semana e Abraço,

Hugo

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